
Seguindo uma tendência histórica, as infecções pela hepatite B (HBV) ainda são maioria no Espírito Santo. Dos 185 casos de hepatites virais confirmados no primeiro semestre de 2022, 127 (68%) são do tipo B, conforme dados da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa). No mesmo período do ano passado, foram registrados apenas 57 casos dessa variação. Sem cura, a doença é silenciosa e pode ser fatal.
Uma das explicações para esse número tão expressivo está nas mulheres gestantes. Em um estudo recente, pesquisadores da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) apontaram que a transmissão vertical, aquela que passa da mãe para o bebê, é a principal responsável pelos casos da HBV no Estado.
Para a pesquisa, foram observados 587 portadores crônicos de hepatite B tratados pelo Hospital Universitário Cassiano Antonio Moraes (Hucam). Desse total, 215 pacientes tinham como forma de transmissão mais provável a vertical, o equivalente a 36,6%. Por contato sexual, havia 41 infectados; por via sanguínea, 21; intrafamiliar (entre membros da mesma família, sem necessariamente envolver a mãe), 115; e, por motivos desconhecidos, 195.
Professora do Departamento de Clínica Médica da Ufes e uma das responsáveis pela pesquisa, Tânia Queiroz Reuter explica que essa alta incidência pode ser explicada pelo acesso precários aos serviços de saúde – especialmente durante o pré-natal – ou até mesmo devido à falta de informação.
Há mulheres, por exemplo, que só descobrem que são portadoras da doença após o nascimento da criança, conforme aponta a professora. A transmissão vertical pode ocorrer durante a gestação, no momento do parto ou pela amamentação.
“O Estado tem uma prevalência acima da média nacional, assim como ocorre em áreas do Paraná, de Santa Catarina e da Região Amazônica. A prevalência do Brasil é de 0,5% e a do Espírito Santo parece ser de 1,8% a 2%”, destaca. O estudo avaliou o comportamento da doença por mais de 10 anos, entre 2005 e 2017.
De acordo com a Sesa, entre os anos de 1999 e 2021, foram confirmados 16.333 casos de hepatites virais no Espírito Santo. Desse total, 2.653 casos (16%) foram causados pelo vírus da hepatite A, 8.852 casos (54%) pelo da hepatite B e 4.828 casos (30%) pelo vírus do tipo C.
Em relação aos casos de HBV em gestantes, foi confirmado um total de 475 casos no Estado de 2007 a 2021. Os municípios com maior taxa de detecção desse vírus no ano passado foram Jaguaré, Linhares, Aracruz, Guarapari e Serra.
“A hepatite A não é transmitida para o bebê. Já o vírus da C pode contaminar o bebê de forma vertical, mas isso é bem menos frequente. A hepatite B, por sua vez, tem uma transmissibilidade bem superior à da A e à da C. Por ser mais transmissível, ela representa um problema de saúde pública mais sério”, afirma Tânia.
O QUE É A HEPATITE B E SINTOMAS
De acordo com a definição da Organização Mundial da Saúde (OMS), a hepatite é uma inflamação que atinge o fígado. Quando ela acomete o órgão de forma grave, algumas funções vitais do corpo ficam comprometidas, como o processo de digestão e a eliminação de toxinas no sangue.
Os sintomas costumam se manifestar somente em fases mais avançadas da doença. Alguns dos principais são cansaço, tontura, enjoo e/ou vômitos, febre e dor abdominal. No caso da hepatite B, também há a presença da icterícia, mas em menor quantidade se comparado com os demais tipos.
8.852 casos de hepatite B (54%) foram detectados no Estado, entre 1999 e 2021.
“Em questão de gravidade, tanto o vírus B quanto o C evoluem para cirrose. O que a HBV tem de mais caprichosa é que pode causar um câncer no fígado em qualquer fase da doença, diferentemente do tipo C. Ela também é mais infecciosa. Acredita-se que tenhamos 270 milhões de pessoas infectadas pela hepatite B no mundo”, estima a professora.
Outras formas importantes de transmissão da HBV, além da vertical, são: através da transfusão de sangue, de relações sexuais sem uso de preservativos ou de forma percutânea (quando um sangue infectado contamina outro saudável).
PREVENÇÃO E TRATAMENTO
Apesar de ainda não existir cura, esse tipo de hepatite pode ser prevenido. A vacinação, conforme explica Reuter, é a principal forma de controlar a disseminação da doença. Os imunizantes são disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), e a contaminação pode ser evitada se a mulher tomar a vacina antes de engravidar ou a partir do último trimestre de gestação.
“O Espírito Santo começou a vacinar contra a hepatite B cerca de um ano e meio antes do País, reconhecendo que temos uma prevalência acima do esperado. A vacinação tem sido disponibilizada para todas as crianças nascidas desde 1993 no Estado e desde 1995 no Brasil. Quando o Espírito Santo completou 20 anos de vacinação, foi feita uma pesquisa que demostrou que o vírus já era bem menos prevalente em pessoas abaixo dos 20 anos de idade”, salienta.
Um pré-natal de qualidade e a testagem das mulheres grávidas também é fundamental para impedir a transmissão vertical. “É importante ainda incentivar a testagem de qualquer indivíduo acima dos 35 anos, que é quando começamos a ter uma grande soropositividade para as hepatites B e C”, orienta.
Sobre o tratamento, a médica detalha que costuma ser realizado com antivirais específicos. Mas, em alguns casos, é preciso apenas que o paciente fique em repouso, mantenha-se hidratado e siga uma dieta específica para ajudar a recuperar o fígado.
“O tratamento da gestante é o mesmo para a não-gestantes. O governo federal disponibiliza antivirais desde 2002, quando saiu o primeiro programa de hepatites virais. Desde então, o Brasil oferece medicação gratuita para mulheres, gestantes ou não. A diferença está apenas no manejo dessa mulher grávida. São medidas diferentes, não drogas diferentes”, pontua.
OUTROS TIPOS VIRAIS
As hepatites virais mais comuns, além da B, são a A e a C. Segundo o infectologista Lauro Pinto, o tipo A acomete mais pessoas em ambientes sem saneamento básico e é transmitido via fecal-oral. As do tipo B, por sua vez, podem ser transmitidas de mãe para filho(a), mas também são recorrentes em casos de contato com material sanguíneo infectado.
Os tipos C e D se caracterizam sobretudo pela transmissão após o compartilhamento de seringas. A hepatite D, no entanto, traz o diferencial de ser encontrada somente na Região Amazônica do País e de ser um “acessório” da variante B — ou seja, só existe se o paciente também possuir o outro vírus.
Já a hepatite E é raramente diagnosticada no Brasil e possui relação com a má preparação da carne de porco, conforme afirma o especialista.
(Fonte: A Gazeta)